Trecho do livro "Adeus, China - o último bailarino de Mao", pág. 60-62


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"Ele se sentou perto de mim, passou o braço pelos meus ombros e começou:

Era uma vez um sapo que vivia em um poço pequeno, mas muito fundo. Ele não sabia nada do mundo. O poço e o pedaço de céu que conseguia ver eram seu universo.
Um dia, ele encontrou outro sapo, que vivia do lado de fora.
- Por que não desce e vem brincar comigo? É divertido aqui - convidou.
- O que tem aí embaixo? - perguntou o outro.
- Tudo: água, correntes subterrâneas, estrelas, às vezes a Lua e até objetos voadores que vêm do céu - respondeu o sapo do poço.
O sapo da terra suspirou.
- Meu amigo, você vive confinado. Não sabe o que tem no mundo.
O sapo do poço não gostou de ouvir aquilo.
- Não me diga qeu existe um mundo maior do que o meu! Meu mundo é grande. Aqui, vemos e sentimos tudo o que o mundo tem a oferecer.
- Não, amigo. Você só consegue ver o mundo pela abertura do poço. O mundo aqui fora é enorme. Gostaria de lhe mostrar o quanto é grande - rebateu o sapo da terra.
Agora, sim, o sapo do poço estava zangado.
- Não acredito! Você está mentindo! Vou perguntar ao meu pai - e contou ao pai a conversa que tivera com o sapo da terra.
- Filho, o seu amigo está certo. Ouvi dizer que existe um mundo muito maior lá em cima, com muito mais estrelas do que podemos ver daqui - o pai respondeu com tristeza na voz.
- Por que nunca me disse isso? - o sapinho perguntou.
- Para quê? O seu destino é aqui embaixo, neste poço. Não há como sair daqui.
- Eu posso! Eu consigo sair! Vou lhe mostrar - argumentou o sapinho.
Ele pulou e saltou, mas o poço era muito fundo, e a terra estava longe demais.
- Não adianta, filho. Eu tentei a vida toda. Seus avós fizeram o mesmo. Esqueça o mundo lá em cima. Contente-se com o que tem ou vai viver infeliz.
- Quero sair, quero ver o mundo grande lá fora! - o sapinho chorava decidido.
- Não, filho. Aceite o destino. Aprenda a viver com o que lhe foi dado - continuou o pai.
Assim, o pobre sapinho passou o resto da vida tentando escapar do poço escuro e frio. Mas não conseguiu. O grande mundo lá em cima continuou sendo apenas um sonho.

- Pai, estamos em um poço? - perguntei.
Ele pensou por alguns instantes.
- Depende do ponto de vista. Se você olhar este lugar de cima para baixo... então, estamos, sim, em um poço. Mas, se olhar de baixo para cima, não. Você diria que estamos no céu? Não, definitivamente não.
Muitas vezes, pensei naquele pobre sapo e me senti triste e frustrado. Vivíamos todos presos em um poço, também, e não havia saída.
Então, usaria minhas pipas para enviar mensagens aos deuses. Entrei em uma vala para me proteger do vento gelado, levando comigo dezenas de tirinhas de papel. Peguei uma tira, molhei as pontas com saliva e a prendi na linha, deixando que o vento forte a levasse até a pipa.
[...] Às vezes, eu me zangava com os deuses, acusando-os de não serem justos; em seguida, arrependia-mee pedia perdão. [...]
O mais importante de todos, porém, foi o último pedido. Enrolei uma terceira tira de papel em volta da linha e desejei sair do poço escuro e profundo. Confessei aos deuses meus sentimentos mais íntimos. Disse que sonhava com coisas lindas que não possuía. Pedi mais comida para minha família. Pedi que me tirassem do poço e que eu pudesse ajudar meus pais e irmãos. Minha imaginação viajou para longe, muito além da pipa, até um lugar especial e só meu."
(Li Cunxin)

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